De ontem e de hoje | Des-dizer
por Licínia Quitério
Eu nada tenho de coleccioniadora de objectos, sejam maiores ou menores, antigos ou actuais, originais ou cópias. Do que eu gosto mesmo é de coleccionar, melhor, reunir, guardar na memória das curiosidades, o seguinte:
- palavras, por semelhança ou dissemelhança
expressões banais de muito serem ditas ou invulgares por perda de uso
ditos com o que se chama espírito ou com notória ausência dele
frases feitas, tão úteis para quem não tem como fazê-las
lugares comuns, em uso ou desuso
provérbios, com origens tantas vezes difíceis de descortinar
Foi por isso que me lembrei de aqui fazer desfilar, sem ordem nem jeito, vozes que me chegam de gente diversa, que teimo e me atrevo a classificar pelo uso, habitual ou imoderado, de palavras arrumadas à maneira de sentenças, curtas e definitivas na sua assumida e indefectível verdade.
Os conformados:
- Hora a hora Deus melhora
Mais vale tarde que nunca
Atrás de mim virá quem de mim bom fará
Mal por mal antes cadeia que hospital
Os lentos:
- Atrás de tempo vem
Devagar se vai ao longe
Até ao lavar dos cestos é vindima
As cadelas apressadas parem os filhos cegos
Os rezingões:
- Fia-te na virgem e não corras
Adeus mundo cada vez pior
De boas intenções está o inferno cheio
Mais vale cair em graça do que ser engraçado
As boas almas:
- Não guardes para amanhã o que podes fazer hoje
Quem dá aos pobres empresta a Deus
Guarda o que não presta acharás o que é preciso
A cavalo dado não se olha o dente
Os politizados:
- Nada de dar o passo maior que a perna
Isso não está em cima da mesa
Anda tudo a empurrar com a barriga
Anda tudo a gamar
Os que inventam sentenças:
- Aproveita o dia que à noite é tudo escuro
Quem empresta aos bancos oferece aos ricos
Aquilo na Grécia é só pedras
Não há mar como o da Caparica
Os das adivinhas:
- Duas mães e duas filhas vão à missa com três mantilhas
Qual é a pata direita do cavalo de D. José
Alto está alto mora todos o vêm ninguém o adora
O que é que mal entra em casa se põe à janela
Quantas vezes anoto num papel uma ou outra palavra ou frase que de momento ache curiosa. Provavelmente o papel em breve desaparecerá na voragem dos lugares desarrumados. Dos escaninhos da memória chegaram hoje estes dizeres populares que acima fui desdizendo.
- É pouco mas de boa vontade
Quem dá o que tem a mais não é obrigado.
Licínia Quitério
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Licínia Quitério.
Pouco mas de boa vontade é também o meu comentário.
Há um que podes acrescentar ao teu caderninho de memórias.
De hora a hora, Deus melhora. 🙂
Gostei muito deste teu des-dizer, dizendo memórias.
Abracinho
Delícia, delícia, delícia!!!
Muitos vão ficando esquecidos…
Essa sua memória é de enciclopédia e ainda bem para nós todos.
Clara